Mon. Sep 16th, 2024

Estava perto do início de uma das celebrações de Carnaval mais famosas do Brasil, na cidade litorânea de Olinda, no norte do país, e a praça da cidade estava lotada de milhares de foliões. Todos estavam esperando seu ídolo.

Pouco antes das 21h, as portas de um salão de dança se abriram, uma banda de música avançou no meio da multidão e a estrela que todos esperavam saiu: um boneco de 3,6 metros de John Travolta.

Os confetes foram espalhados, a banda começou a tocar uma música cativante e o público cantou junto: “John Travolta é muito legal. Dando uma grande festa. E em Olinda o melhor carnaval.” (Rima em português.)

O gigante John Travolta, empoleirado na cabeça de um marionetista, liderou então um desfile pelas ruas de paralelepípedos.

O “boneco”, como esses bonecos gigantes são conhecidos no Brasil, usava uma blusa de gola alta e terno deslumbrante da era disco, com um topete preto, à la John Travolta em “Os Embalos de Sábado à Noite”. Comemorando este ano seu 45º aniversário, o boneco é quase tão antigo quanto aquele filme.

Mas é a semelhança com o verdadeiro Sr. Travolta?

“Não se parece em nada com ele”, disse o criador do boneco há mais de quatro décadas, Silvio Botelho, 65 anos, em sua oficina à sombra de uma mangueira. O rosto de argila e papel machê se transformou com o tempo, deixando os olhos um pouco desequilibrados. “A umidade tomou conta”, disse ele. “Tudo está distorcido.”

Botelho implorou para refazê-lo, mas a família proprietária do boneco diz que eles – e milhares de seus vizinhos – o amam exatamente do jeito que está.

“O povo está apaixonado por esse boneco”, disse Eraldo José Gomes, 56 anos, avô que fazia parte do grupo de garotos loucos por discoteca que teve a ideia de criar um boneco de John Travolta em 1979. “Temos medo de bagunçar. com isso.”

O boneco de John Travolta (pronuncia-se BO-neh-koh) é um das centenas de bonecos gigantes que desfilam por Olinda durante quatro dias todo mês de fevereiro, tornando-se o cartão de visita do renomado Carnaval da cidade – que termina com as comemorações da Terça-Feira Gorda nesta semana – e uma demonstração de como as festividades pré-Quaresma no Brasil são muito mais do que apenas o extravagante desfile de samba do Rio de Janeiro.

Para os moradores daqui de Olinda, uma cidade de cerca de 350 mil habitantes, os bonecos também têm um propósito mais profundo. Eles são uma espécie de totens, desempenhando um importante papel cultural e comunitário e muitas vezes levando os foliões às lágrimas. O boneco mais antigo de Olinda, O Homem da Meia-Noite, é inclusive considerado objeto religioso sagrado pelos adeptos das religiões afro-brasileiras, com instruções religiosas específicas para seu manuseio.

“Eu cresci com John Travolta. Ele é meu irmão. Ele é tio dos meus filhos”, disse Valeria dos Santos, 41, sobre o boneco de John Travolta. A empregada doméstica começou a chorar ao explicar como sua mãe adorava aquele boneco, passava anos a ferro suas roupas e morreu em 2007, no dia em que ele desfilou pelas ruas.

Os bonecos chegaram pela primeira vez à região em 1919, numa cidade a sete horas de distância, quando um padre português contou sobre marionetes semelhantes usadas na Europa para celebrações religiosas, disse Jorge Veloso, historiador de Olinda que estuda os bonecos do Brasil.

Em 1932, os foliões do Carnaval de Olinda criaram O Homem da Meia-Noite, que há décadas desfila todos os sábados à meia-noite, momento transmitido ao vivo pela televisão.

Em 1967, os grupos carnavalescos criaram um segundo boneco, A Mulher Diurna, para ser esposa do Homem da Meia-Noite – houve uma cerimônia de casamento carnavalesca – e depois, em 1974, veio o filho, O Garoto da Tarde.

Mais tarde, um grupo de sete meninos, encantados com “Os Embalos de Sábado à Noite”, convenceu Botelho a criar um boneco de John Travolta. Seu Botelho, que estava começando e conhecia os meninos do bairro, aceitou fazer de graça.

A partir daí, bonecos explodiram por Olinda. São figuras folclóricas, personagens fictícios e fantoches baseados em foliões conhecidos. Os políticos locais encomendam-nos para as suas campanhas, as empresas fazem-nos para promoções e as pessoas encomendam-nos como presentes.

A maioria é criação do Sr. Botelho, um fabricante de bonecos autodidata que estima que ele e sua equipe tenham criado mais de 1.300 bonecos. Ele trabalhava com papel machê e isopor, mas agora molda principalmente fibra de vidro e epóxi sobre uma escultura de argila, pinta e acrescenta cabelos e roupas. “Eu criei uma cultura”, disse ele.

Há cerca de 15 anos, a concorrência chegou. O empresário Leandro Castro começou a criar bonecos na metrópole vizinha, Recife, a oitava maior cidade do Brasil. Sua ideia – criar um museu de bonecos – se tornou um grande sucesso, em grande parte porque ele tinha um bom truque: todos os seus bonecos representariam figuras famosas.

Seu museu de uma sala está repleto de celebridades brasileiras e internacionais, incluindo Elvis, Pelé e o Papa Francisco.

Castro atrai muita cobertura da mídia brasileira, em parte por suas acrobacias na política. Tem bonecos do presidente Biden; Xi Jinping, o líder da China; e o presidente Vladimir V. Putin da Rússia. Ele organizou um encontro entre os bonecos do ex-presidente Donald J. Trump e Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte. E exibiu com orgulho uma mensagem do ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, agradecendo pelo seu próprio boneco.

Embora Castro seja a cara do negócio, o segredo de seus bonecos realistas é um escultor pouco conhecido, Antônio Bernardo, que na sexta-feira estava em seu estúdio sujo a poucos quarteirões do museu, moldando uma cabeça gigante de barro ao lado de seu corpo adormecido. cachorro, querido.

Bernardo esculpiu quase todos os 750 bonecos de Castro e agora estava correndo para finalizar um novo político para o desfile anual de marionetes de Carnaval de Castro: o presidente Javier Milei, da Argentina.

Seu Bernardo disse que fazer a própria arte o preenche, enquanto os bonecos são um trabalho. “Isso não me dá nenhum prazer”, disse ele, apontando para a cabeça do Sr. Milei. “Sou dominado por isso.”

Os magnatas dos fantoches, Botelho e Castro, tornaram-se uma espécie de rivais. Botelho chamou Castro de “pirata”. Castro criticou o artesanato dos bonecos de Botelho, citando principalmente John Travolta. Castro disse que planeja fazer um John Travolta melhor para o próximo ano.

O boneco de John Travolta tem uma aparência pouco convencional – e um charme inegável.

“É horrível, mas lindo”, disse Maria Helena Alcântara, 30 anos, uma folião que aguardava a chegada do boneco na noite de sábado. “Ele toca nossos corações.”

Enquanto a multidão crescia na praça, mais de 100 pessoas festejaram dentro do salão de dança em uma festa particular de John Travolta. Eles usaram camisetas de John Travolta, dançaram ao som da música cativante de John Travolta e posaram com o boneco de John Travolta empoleirado no canto.

“Não há muito vínculo com o ator hoje. Agora ele é o John Travolta de Olinda”, disse Diego Gomes, 25 anos, parente dos fundadores do boneco John Travolta. Ele assistiu “Saturday Night Fever” pela primeira vez naquela semana. “Foi interessante”, disse ele.

Por toda a cidade, várias crianças carregavam bonecos menores de John Travolta na cabeça como fantasias de carnaval. E a certa altura da oficina do senhor Botelho, Victor Calebe, de 5 anos, entrou correndo, deu uma olhada nos bonecos variados e perguntou: “Cadê o John Travolta?”

Os fundadores do boneco disseram que tentaram entrar em contato com o verdadeiro Sr. Travolta durante anos, mas nunca tiveram resposta.

“Ele vai ficar tipo: Que loucura é essa?” O senhor Botelho previu. “Eles estão bêbados?”

No entanto, quando contatado para comentar, o verdadeiro Sr. Travolta sentiu-se diferente.

“Sua música, sua dança e sua paixão me enchem de uma sensação de plenitude!” o ator respondeu por e-mail quando questionado se tinha algum recado para os foliões de Olinda. “Tenho orgulho e honra de ser o ícone do seu carnaval! Isso me deixa tão feliz! Com amor sempre, John Travolta.”

Laura Linhares Mollica contribuiu com reportagem.

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By NAIS

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