O Brasil está enfrentando um enorme surto de dengue, a doença às vezes fatal transmitida por mosquitos, e especialistas em saúde pública dizem que é um prenúncio de um aumento iminente de casos nas Américas, incluindo Porto Rico.
O Ministério da Saúde do Brasil alerta que espera mais de 4,2 milhões de casos este ano, superando os 4,1 milhões de casos registrados pela Organização Pan-Americana da Saúde para todos os 42 países da região no ano passado.
O Brasil enfrentaria um ano ruim de dengue – o número de casos do vírus normalmente aumenta e diminui em um ciclo de aproximadamente quatro anos – mas os especialistas dizem que uma série de fatores, incluindo o El Niño e as mudanças climáticas, amplificaram significativamente o problema este ano.
“O calor recorde no país e as chuvas acima da média desde o ano passado, antes mesmo do verão, aumentaram o número de criadouros do mosquito no Brasil, mesmo em regiões que tiveram poucos casos da doença”, disse a ministra da Saúde do Brasil, Nísia. Trindade, disse.
O número de casos de dengue já disparou na Argentina, Uruguai e Paraguai nos últimos meses, durante o verão do Hemisfério Sul, e o vírus avançará pelos continentes com as estações.
“Quando vemos ondas em um país, geralmente veremos ondas em outros países, é assim que estamos interconectados”, disse o Dr. Albert Ko, especialista em dengue no Brasil e professor de saúde pública na Universidade de Yale.
A Organização Mundial de Saúde alertou que a dengue está a tornar-se rapidamente num problema de saúde global urgente, com um número recorde de casos no ano passado e surtos em locais, como a França, que historicamente nunca notificaram a doença.
Nos Estados Unidos, a Dra. Gabriela Paz-Bailey, chefe do departamento de dengue na divisão de doenças transmitidas por vetores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, disse que esperava altas taxas de infecção por dengue em Porto Rico este ano e que haveria mais casos também no território continental dos Estados Unidos, especialmente na Flórida, bem como no Texas, Arizona e sul da Califórnia.
A dengue é transmitida pelo Aedes aegypti, uma espécie de mosquito que está a estabelecer-se em novas regiões, incluindo partes mais quentes e húmidas dos Estados Unidos, onde nunca tinha sido visto até aos últimos anos.
Espera-se que os casos nos Estados Unidos ainda sejam relativamente poucos este ano – na casa das centenas, não dos milhões – devido à prevalência do ar condicionado e das telas nas janelas. Mas o Dr. Paz-Bailey alertou: “Quando se observam as tendências no número de casos nas Américas, é assustador. Tem aumentado de forma consistente.”
A Flórida relatou o maior número de casos adquiridos localmente no ano passado, 168, e a Califórnia relatou os primeiros casos desse tipo.
Três quartos das pessoas infectadas com dengue não apresentam nenhum sintoma e, entre as que apresentam, a maioria dos casos se assemelha apenas a uma gripe leve. Mas algumas infecções por dengue são graves, produzindo dores de cabeça, vômitos, febre alta e dores nas articulações que dão à doença o apelido de “febre quebra-ossos”. Um caso grave de dengue pode deixar uma pessoa debilitada por semanas.
E cerca de 5% das pessoas que ficam doentes irão evoluir para o que é chamado de dengue grave, que faz com que o plasma, o componente fluido do sangue rico em proteínas, vaze dos vasos sanguíneos. Alguns pacientes podem entrar em choque, causando falência de órgãos.
A dengue grave tem uma taxa de mortalidade entre 2% e 5% em pessoas cujos sintomas são tratados com transfusões de sangue e fluidos intravenosos. Quando não tratada, entretanto, a taxa de mortalidade é de 15%.
No Brasil, os governos estaduais estão criando centros de emergência para testar pessoas para dengue e tratá-las. A cidade do Rio de Janeiro declarou emergência de saúde pública por causa da dengue na segunda-feira, dias antes do início da celebração anual do Carnaval, que reúne dezenas de milhares de pessoas para festas ao ar livre durante dias e noites.
Um grande número de casos está sendo relatado nos estados mais ao sul do Brasil, disse Trindade, a ministra da Saúde, que normalmente são muito mais frios do que o Rio e os estados do centro e do norte. As pessoas nessas áreas terão pouca imunidade à doença devido à exposição anterior.
A dengue vem em quatro sorotipos diferentes, que são como primos do vírus. A infecção anterior por um deles oferece apenas proteção de curto prazo contra a infecção por outro, e uma pessoa que já teve um sorotipo de dengue no passado corre maior risco de desenvolver dengue grave devido à infecção por outro sorotipo.
“No momento você tem sorotipos circulando no Brasil que não circulavam há 20 anos”, disse o Dr. Ernesto Marques, professor associado de doenças infecciosas e microbiologia da Universidade de Pittsburgh.
O Brasil iniciou uma campanha emergencial para imunizar crianças em áreas com maiores taxas ou risco de transmissão de dengue, usando uma vacina de duas doses chamada Qdenga, fabricada pela Takeda Pharmaceutical Company of Japan. O Brasil comprou 5,2 milhões de doses para entrega este ano, mais nove milhões para entrega em 2025, e a empresa doou mais 1,3 milhão, o que efetivamente bloqueia a maior parte do fornecimento de Qdenga globalmente. Uma porta-voz da empresa disse que a Takeda está a trabalhar num plano para aumentar a oferta, concentrando-se na entrega a países de alta prevalência.
Mas mesmo assim, isso é suficiente para cobrir menos de 10% da população brasileira em dois anos. A única boa notícia sobre a dengue no Brasil no momento é a publicação dos resultados dos ensaios clínicos de uma nova vacina testada pelo centro de pesquisa em saúde pública Instituto Butantan, em São Paulo. Essa vacina requer apenas uma dose, e o ensaio concluiu que protegeu 80% dos vacinados contra o desenvolvimento da doença do vírus da dengue. O centro de pesquisa vai solicitar ao governo brasileiro a aprovação da vacina e possui instalações para produzi-la, com o objetivo de começar a entregar as vacinas em 2025.
Para este surto, é demasiado tarde para que a vacinação possa ajudar muito e existem poucas outras formas de as autoridades de saúde pública o retardarem.
“A resistência aos insecticidas realmente limita o que se pode fazer em termos de controlo da população de mosquitos, e a resistência aos insecticidas é generalizada”, disse o Dr. Paz-Bailey do CDC. “O que se pode fazer é garantir que as pessoas tenham acesso ao tratamento clínico e que os médicos sabe o que fazer.”
Centros médicos no Brasil estão criando leitos extras para pessoas com dengue grave, na esperança de evitar o tipo de sobrecarga dos sistemas de saúde que ocorreu durante a pandemia de Covid-19 e de evitar mortes por dengue.
“O velho paradigma da dengue que mais afeta as crianças não é o caso do Brasil – é preciso pensar nos idosos, que são muito vulneráveis”, disse o Dr. Será importante que tanto os médicos como o público recebam a mensagem de testar a dengue ao primeiro sinal de sintomas em crianças e idosos, disse ele.
“Qualquer suposição fundamentada era que este seria um ano ruim”, disse o Dr. Marques, “mas agora sabemos o quão ruim. Vai ser muito, muito ruim.”
Lis Moriconi contribuiu com reportagem do Rio de Janeiro.
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